Há um momento na jornada de quase todo profissional de tecnologia em que uma pergunta começa a ecoar com mais força: “E agora, para onde eu vou?” Após conquistar a senioridade, entregar projetos relevantes e consolidar uma boa reputação no time, surgem convites e possibilidades: liderar um time? Tornar-se referência técnica? Assumir múltiplos papéis?
Esse ponto de inflexão não é apenas sobre promoções — é sobre identidade profissional, propósito e direção. Em um cenário onde as trilhas de carreira se diversificaram e o modelo tradicional de crescimento vertical já não dá conta da complexidade da engenharia de software, surgem formatos como carreira em Y, W e até Z.
Mas, afinal, o que significam essas letras todas? Qual caminho faz mais sentido para cada perfil? E como tomar uma decisão que seja genuinamente sustentável a longo prazo?
O que são carreiras em Y, W e Z?
Antes de avançarmos nas escolhas, vale entender o que cada uma dessas trilhas representa:
Carreira em Y: técnica ou gestão
Esse modelo nasceu da necessidade de reter talentos técnicos sem forçá-los a assumir cargos de gestão para crescer. Ele oferece duas trilhas equivalentes em prestígio, salário e impacto:
- Trilha técnica: para quem deseja aprofundar o conhecimento em tecnologia, tornar-se referência técnica, atuar em projetos críticos e influenciar decisões arquiteturais em larga escala. Exemplos: Staff Engineer, Principal Engineer, Distinguished Engineer.
- Trilha de gestão: para quem prefere trabalhar com pessoas, liderar times, cuidar do desenvolvimento de carreira dos colegas, facilitar entregas e promover cultura organizacional. Exemplos: Engineering Manager, Head of Engineering, CTO.
Carreira em W: a intersecção dos mundos
A carreira em W propõe um modelo híbrido. Ela reconhece que alguns profissionais têm habilidades e desejos tanto técnicos quanto de liderança e querem atuar em ambos os campos. Nesse caso, o profissional alterna (ou mistura) papéis:
- Atua como líder técnico e de pessoas ao mesmo tempo
- Ou oscila entre gestão direta e projetos de alto impacto técnico
- Ou lidera iniciativas organizacionais e técnicas de maneira transversal
Exemplos de cargos: Tech Lead (com escopo ampliado), Engineering Lead, Group Tech Manager.
Carreira em Z: múltiplas dimensões além do escopo tradicional
Ainda pouco comum e mais conceitual, a carreira em Z representa a multiplicidade de atuação de profissionais que extrapolam os limites da engenharia e atuam também em áreas como produto, negócio, experiência do cliente, ou até empreendedorismo interno.
Essa trilha é ideal para quem tem um perfil multidisciplinar e estratégico, que deseja navegar entre a técnica, a gestão e a visão sistêmica da organização. Um Z pode:
- Liderar transformações culturais
- Criar modelos de negócio com base em tecnologia
- Ser um elo entre design, dados, produto e engenharia
As perguntas que ninguém responde no modelo tradicional
Muitos profissionais crescem na carreira técnica esperando que o próximo passo seja óbvio. Mas quando chega a hora de escolher entre liderança e aprofundamento técnico, surgem dúvidas mais existenciais do que profissionais:
- Eu gosto de liderar ou apenas sou bom em resolver problemas?
- Quero passar mais tempo em reuniões ou codando?
- Me motiva mais o impacto técnico ou o crescimento das pessoas?
- Estou buscando visibilidade ou alinhamento com meus valores?
Essas perguntas não têm respostas prontas — mas ignorá-las leva a decisões baseadas em expectativas alheias, e não naquilo que realmente faz sentido para você.
Como identificar seu perfil dominante (sem rótulos)
Existem muitas ferramentas de autoconhecimento, mas um bom ponto de partida é observar comportamentos espontâneos no dia a dia. Veja alguns indícios do seu perfil:
Perfil técnico
- Fica empolgado ao resolver problemas complexos e de arquitetura
- Costuma ser a referência para temas técnicos específicos
- Prefere tempo de concentração profunda a reuniões longas
- Tem prazer em criar soluções robustas e bem documentadas
- Sente frustração quando precisa parar para lidar com conflitos interpessoais
Perfil de gestão
- Gosta de ajudar outras pessoas a crescerem
- Se interessa por cultura de times, rituais e dinâmica de grupo
- Tem facilidade para escutar, dar feedback e mediar conversas difíceis
- Prefere trabalhar com visão de longo prazo e clareza de entregas
- Sente energia em facilitar reuniões produtivas e alinhamentos
Perfil híbrido (modelo W)
- Alterna bem entre tarefas técnicas e conversas com o time
- Sente prazer em ser ponte entre áreas
- Gosta de desenhar estratégias técnicas e pensar na execução do time
- Tem empatia e clareza técnica em medidas equilibradas
- Sente incômodo com papéis muito engessados
O passo a passo para decidir sua trilha com segurança
Escolher um caminho é menos sobre “definir para sempre” e mais sobre experimentar com intencionalidade. Veja como construir essa decisão com mais clareza:
1. Olhe para trás: o que te fez vibrar?
Revise seus projetos anteriores. Em quais momentos você sentiu realização? Quais tipos de atividade te davam energia — e quais te drenavam? Isso diz muito sobre seu estilo de trabalho ideal.
2. Busque feedbacks além do técnico
Converse com pessoas que já trabalharam com você em contextos diferentes. Pergunte como te enxergam: como solucionador de problemas? Facilitador de pessoas? Conector entre áreas? Pode haver padrões que você ainda não percebeu.
3. Converse com quem está em diferentes trilhas
A melhor forma de entender o que cada caminho exige é ouvir quem já está trilhando. Peça conversas informais com Tech Leads, EMs, Staff Engineers. Pergunte sobre rotina, desafios e aprendizados.
4. Teste papéis de forma leve
Antes de assumir uma posição formal, experimente: lidere um projeto temporário, atue como mentor, represente seu time em reuniões intersquads, assuma ownership técnico de uma feature crítica. Isso ajuda a sentir o que te encaixa melhor — na prática.
5. Avalie o momento da sua vida
Carreiras são cíclicas. Talvez você esteja em um momento pessoal que pede mais foco técnico, ou que permite se abrir para novos desafios interpessoais. O que funciona agora pode mudar depois — e tudo bem.
6. Escolha com base em autonomia, não em ego
Evite decidir apenas pelo status, pela promoção mais rápida ou pela pressão do entorno. Escolha o que te permite trabalhar com fluidez, criatividade e senso de realização.
Dilemas reais de quem vive a transição
Tomar essa decisão pode gerar dúvidas legítimas. Vamos a alguns dilemas comuns:
“Se eu virar gestor, vou perder minha habilidade técnica?”
Depende. Alguns gestores continuam codando de forma estratégica. Outros se afastam por completo. O mais importante é manter visão técnica suficiente para tomar decisões conscientes, mesmo que não atue na linha de frente.
“E se eu virar líder e depois me arrepender?”
Você pode voltar. Empresas maduras entendem que o movimento é reversível. Muitos profissionais experimentam a gestão, aprendem muito, mas preferem retornar ao papel técnico — agora com mais repertório.
“Sinto que gosto dos dois mundos. E agora?”
Você provavelmente é um candidato natural para trilhas híbridas (W). Vale buscar posições que te permitam explorar múltiplas dimensões com equilíbrio — especialmente em empresas que valorizam essa multiplicidade.
Como as empresas estão adaptando suas estruturas
Organizações mais conscientes vêm desenhando trilhas de carreira que:
- Têm descrições claras para cargos técnicos e de gestão
- Valorizam igualmente ambas as trilhas (inclusive em promoções e salários)
- Permitem migração entre caminhos de forma estruturada
- Criam cargos híbridos com escopo multifuncional
- Reconhecem que liderança não é só sobre gerir pessoas, mas também inspirar pelo exemplo técnico
Essa transformação é essencial para reter talentos diversos — e para permitir que cada profissional escreva sua própria trajetória com liberdade e coerência.
O impacto da escolha certa (e o custo da escolha errada)
Quando um profissional está atuando na trilha certa para o seu perfil, o efeito é visível: engajamento, criatividade, fluidez, impacto ampliado. A motivação deixa de ser extrínseca (promoções, bônus) e passa a ser intrínseca: fazer o que se ama, do jeito que se acredita.
Por outro lado, quando alguém é empurrado para uma trilha desalinhada — por pressão, status ou falta de reflexão — surgem sintomas silenciosos: queda de performance, frustração, desânimo, burnout. E, muitas vezes, perda de talentos brilhantes por má alocação.
Para onde você quer crescer?
No fim das contas, a pergunta não é “qual trilha eu devo seguir?”, mas sim:
“O que me dá energia, propósito e sensação de construção?”
Responder essa pergunta com honestidade é o melhor GPS de carreira que existe. E você pode ajustar a rota quantas vezes quiser — desde que mantenha o volante firme nas suas mãos.
Porque mais importante do que o formato da trilha (Y, W ou Z), é saber que você pode ser o arquiteto do seu próprio caminho. E isso, na carreira e na vida, é o maior ato de liderança que existe.